24 de OUTUBRO de 2012 - A carta dos indígenas Guarani-Kaiowá, anunciando o que foi
interpretado por muitos como uma ameaça de suicídio em massa, vem
gerando comoção, mas também incerteza sobre o real significado do
documento assinado por líderes da tribo.
A carta, que teve ampla repercussão nas redes sociais e em portais de
notícia do Brasil e do exterior, foi interpretada como um anúncio de
suicídio coletivo por parte dos Pyelito Kue, comunidade de 170 indígenas
que expôs seu desespero após receber uma ordem de despejo da terra onde
vive acampada. Na carta, os indígenas afirmavam que dali não sairiam
vivos.
O documento fala em 'morte coletiva' e afirma que, se insistir no
despejo, o Estado estará decretando a morte dos indígenas, exprimindo
profunda desesperança no governo e na Justiça Federal.
Diante da repercussão do suposto anúncio de suicídio, o Conselho
Indigenista Missionário (Cimi) interveio com uma nota de esclarecimento
na terça-feira:
'Os Kaiowá e Guarani falam em morte coletiva (o que é diferente de
suicídio coletivo) no contexto da luta pela terra, ou seja, se a Justiça
e os pistoleiros contratados pelos fazendeiros insistirem em tirá-los
de suas terras tradicionais, estão dispostos a morrerem todos nela, sem
jamais abandoná-las. Vivos não sairão do chão dos antepassados.'
Porém, nem o Cimi nem outras lideranças indígenas se arriscam a negar
a possibilidade de que ocorram suicídios. Membro do Conselho da Aty
Guasu, grande assembleia do povo Kaiowá e Guarani, o vereador Otoniel
Ricardo disse à BBC Brasil não poder afirmar 'que isso não pode
acontecer'.
'São eles que decidem. Se mexer [na terra onde estão acampados], pode
acontecer. Se não mexer, eles vão continuar vivendo lá porque o
território é deles', diz Ricardo. 'O que eles decidiram é que não vão
mais sair dali, nem vivos nem mortos. Querem ser enterrados lá mesmo.'
Na sexta-feira passada, a afirmação categórica por parte da Fundação
Nacional do Índio (Funai) de que 'não há intenção de suicídio', em um
comunicado, irritou a Aty Guasu. Em sua página no Facebook, lideranças
da assembleia disseram que o órgão havia sido 'autoritário' e parecia
estar 'ignorando o fato conhecido de suicídio epidêmico do povo Guarani e
Kaiowá do Mato Grosso do Sul'.
Por sua localização remota, é difícil estabelecer contato telefônico
com o Pyelito Kue. Uma equipe do Cimi foi enviada para o povoado para
falar da repercussão da carta e saber suas reações.
A carta que chamou tanta atenção expõe o desespero do pequeno povoado
de Pyelito Kue, após receber uma ordem de despejo da Justiça Federal no
fim de setembro. Há um ano, o grupo de 170 indígenas vive acampado em
terras de uma fazenda à beira do rio Hovy, no município de Iguatemi, no
Mato Grosso do Sul.
'Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de
despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e
para enterrar nós todos aqui', dizem no documento.
'Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa
dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um
grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso
pedido aos juízes federais.'
De acordo com a Funai, a área ocupada pela comunidade está em estudo.
'Os estudos precisam ainda ser aprovados e enviados ao Ministro da
Justiça para que a terra indígena seja declarada de ocupação tradicional
do grupo indígena e seja demarcada.'
Expulsos de sua terra originária e aguardando há décadas a demarcação
das áreas a que têm direito garantido pela Constituição Federal de
1988, os Guarani-Kaiowá são 45 mil brasileiros. Vivem em sua maioria
espalhados pelo Mato Grosso do Sul, disputando a terra com o rico
agronegócio do estado.
Coordenador regional do Cimi para o Mato Grosso do Sul, Flávio
Machado afirma que a carta expõe as dificuldades não apenas do Pyelito
Kue, mas de toda a população Guarani-Kaiowá, que são a segunda maior
população indígena no Brasil.
'A carta retrata uma situação dramática daquilo que praticamente todo
o povo Guarani-Kaiowá está vivendo', diz Flávio Vicente Machado,
coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) para o
Mato Grosso do Sul.
Nos últimos dez anos, afirma, quase não houve avanços na demarcação
de territórios indígenas no país. Enquanto isso, a violência contra
indígenas no estado se acirra, com assassinatos de líderes e ataques
frequentes de pistoleiros.
Nas últimas semanas, segundo o Cimi, diversas comunidades
Guarani-Kaiowá sofreram ataques e agressões no estado, como Potrero
Guasu, Arroio Korá e Laranjeira Nhanderu.
Em repúdio aos ataques, movimentos sociais organizaram um ato em
defesa aos Guarani-Kaiowá em Brasília na sexta-feira. Cinco mil cruzes
foram fincadas na Esplanada dos Ministérios para chamar atenção para o
que manifestantes classificaram de 'genocídio'.
Na manhã desta quarta-feira (24), 21 mil pessoas já haviam assinado a
petição intitulada 'Vamos impedir o suicídio coletivo dos índios
Guarani-Kaiowá' no site Avaaz, que mobiliza abaixo-assinados pela
internet.
A interpretação de suicídio em massa vem ancorada em uma dura
realidade: a de que os Guarani-Kaiowá detém um dos mais altos índices de
suicídio no país e, de acordo com o Cimi, no mundo.
A cada seis dias, um jovem guarani-kaiowá tira a própria vida. Dados
do Ministério da Saúde divulgados neste ano mostraram que, de 2000 para
cá, 555 indígenas dessa etnia cometeram suicídio, sendo a maior parte
dos casos por enforcamento (98%) e cometidos por homens (70%), a maioria
deles na faixa dos 15 aos 29 anos.
Os índice é bastante superior à média nacional. Em 2007, foi de 65
indígenas por cada 100 mil habitantes, contra 4,7 pessoas a cada 100 mil
em todo o Brasil.
Estudiosos associam o alto número de suicídios entre as tribos à
insuficiência de terras, à falta de perspectiva de ter territórios
demarcados e ao confinamento em reservas indígenas.
Os índices de homicídio também são alarmantes. Relatórios de
violência do Cimi mostram que, nos últimos anos, o Mato Grosso do Sul
vem liderando 'o triste ranking de estado mais assassino de indígenas':
'Os Guarani-Kaiowá são um povo que está sendo culturalmente e
politicamente assassinado. Ora pela falta de vontade política do
governo, ora por pistoleiros, a mando de fazendeiros', considera Flávio
Machado.
Na carta dos Pyelito Kue, eles afirmam que quatro pessoas da
comunidade já foram mortas, duas por suicídio e duas 'em decorrência de
espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas'.
'Já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em
nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça Brasileira',
afirma o documento.
A ÚNICA COISA LEGITIMA DO NOSSO PAÍS.OS ÍNDIOS.E OS TRATAM POR INSIGNIFICANTE.MUITO TRISTE!SINTO VERGONHA PELA FORMA DE O QUANTO SÃO DO DESCASO,POR NOSSOS GOVERNOS.DEIXE OS NOSSOS ÍNDIOS,EM PAZ!
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