Complexo penitenciário foi demolido
01 de OUTUBRO de 2012 - Passados 20 anos,
apenas uma pessoa foi condenada e, mais tarde, absolvida, pelo Massacre
do Carandiru. O único acusado pelos resultados da tragédia que foi
julgado até agora, coronel Ubiratan Guimarães, o comandante da Polícia
Militar à época, foi inocentado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em
fevereiro de 2006. O militar foi assassinado em setembro do mesmo ano,
em crime do qual é acusada a então namorada.
Em 2001, o coronel
Ubiratan, como era conhecido, tinha sido condenado a 632 anos de prisão
pela morte de 102 dos 111 prisioneiros que foram vitimados na invasão do
complexo penitenciário do Carandiru. Segundo documento de 2000, da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão ligado à
Organização dos Estados Americanos (OEA), havia superlotação no
complexo.
O Carandiru tinha, à época, 7.257 prisioneiros, mais do
que o dobro da capacidade comportada, sendo que 2.706 deles estavam
recolhidos no Pavilhão 9, onde ocorreu a revolta. A ação dos policiais é
considerada um dos mais violentos casos de repressão à rebelião em
casas de detenção, segundo a própria CIDH. Até hoje, não houve a
responsabilização de nenhuma autoridade.
Em
2000, a comissão concluiu que o caso caracterizou um “massacre, no qual
o Estado violou os direitos à vida e à integridade pessoal” e pediu
investigação dos fatos e consequente punição dos responsáveis, além de
reparação às vítimas. Segundo o documento – o Relatório 34/00 –
“o Estado violou os direitos à vida e à integridade pessoal e que, em
suas sequelas, também foram violados os direitos ao devido processo e à
proteção judicial”.Em setembro do ano passado, o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo negou recurso de defesa e decidiu manter a
decisão de levar a júri popular mais de 75 policiais acusados pelo
massacre. Na última quinta-feira (27), o juiz José Augusto Nardy
Marzagão, da Vara do Júri de Santana, decidiu levar 28 desses policiais a
júri popular que marcou para o dia 28 de janeiro do próximo ano. O
processo será julgado em etapas, devido ao grande número de réus
envolvidos.
“É um processo atípico. Desde o início, ele se mostrou
um processo atípico, em função do número de réus. Em razão da nossa
sistemática jurídica, que nunca concebeu talvez um processo de júri com
tantos réus, acaba gerando alguns entraves que, se não vencidos agora,
podem gerar nulidade no futuro. Infelizmente ele acaba se protelando no
tempo”, disse Norberto Joia, promotor de Justiça do 2º Tribunal do Júri,
em entrevista à Agência Brasil.
A demora no julgamento e
na responsabilização pelas mortes se deve, em parte, pelo fato de o
processo ter passado da Justiça Militar, onde tramitou entre 1992 e
1996, para a Justiça Comum. De acordo com documento da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, o processo penal contra 119
policiais acusados de homicídio qualificado agravado, que foi instaurado
perante a Auditoria da Justiça Militar em 23 de junho de 1993, "sofreu
uma série de atrasos".
Depois de três anos instaurado, no dia 13
de fevereiro de 1996 o processo foi transferido à Justiça Comum, porque
havia indícios de responsabilidade de autoridades civis na época (o
governador Luiz Antonio Fleury Filho e o secretário de Segurança
Pública, Pedro Franco de Campos).
Promulgada em 1996, a Lei 9.299,
conhecida como Lei Bicudo por ter sido proposta pelo então deputado
federal Hélio Bicudo, e que prevê que crimes de homicídios dolosos
cometidos por policiais militares deixariam de ser julgados pela Justiça
Militar, levou o processo para julgamento em tribunal do júri.
“Em
relação a este caso, poderíamos ter avançado numa modificação da
legislação, que acabou não havendo. E essa modificação que ocorreu [Lei
Bicudo], e acabou pegando esse caso, acabou trazendo alguns entraves a
mais para que o julgamento fosse realizado”, disse o promotor.
Entre
os entraves, lê diz que o processo saiu da Justiça Militar quando
estava pronto para ser julgado. “Quando foi apurada a competência para
que ele viesse para o júri, isto importou no cumprimento de um
comportamento que era diverso do que existia na Justiça Militar e que
impingiu a esse processo uma marcha mais lenta do que aquela que nós
desejávamos”, explicou o promotor.
Apesar de decorridos tantos
anos após o massacre, o promotor ainda acredita ser possível haver
condenação dos responsáveis. “Embora não seja a melhor justiça, porque
justiça tarda é justiça falha, mas é possível [condenar os
responsáveis]”, disse ele.
Para Rodolfo Valente, advogado da
Pastoral Carcerária em São Paulo, o governador de São Paulo na época,
Luiz Antonio Fleury Filho, e o então secretário de Segurança Pública,
Pedro Franco de Campos, também deveriam ser responsabilizados pelo
massacre.
"Entendemos que o governador Fleury e também o
secretário Campos deveriam estar no banco dos réus. Não adianta só
responsabilizar os policiais que participaram da ação”, falou ele.
A
advogada Ieda Ribeiro de Souza, que defende todos os policiais acusados
pela ação e que devem somar 79 (policiais, ex-policiais e alguns deles
já na reserva) no processo, disse que já pediu habeas corpus para que o efeito extensivo dado ao coronel Ubiratan seja concedido também aos policiais que defende.
“O
que alegamos sempre é que existiu uma reação dos policiais à agressão
quando eles ingressaram [no Carandiru] e que eles [policiais] estavam
cumprindo ordens. Assim como o coronel Ubiratan foi absolvido pelo
estrito cumprimento do dever legal, eu entendo que todos eles devem ser
absolvidos”, disse a advogada.
Em entrevista à Agência Brasil,
a advogada disse que esperava o resultado da perícia do confronto
balístico do Instituto de Criminalística (IC) para que o julgamento
fosse marcado. No entanto, quando decidiu agendar a primeira etapa do
júri popular, o magistrado disse que o Instituto de Criminalística já
atestava a impossibilidade de realização do confronto balístico e que,
portanto, a falta da perícia não deve prejudicar o julgamento.
“Qual
a razão de ser da existência de um processo que permanece sem
julgamento por 20 anos? A resposta nos parece óbvia. A rigor, torna-se
imperioso o julgamento do presente feito”, diz o juiz, em sua decisão.
Mas
para a advogada, a falta do resultado do confronto balístico do IC pode
sim trazer prejuízos ao julgamento, já que, sem ele, seria impossível
individualizar as condutas. “Eu não tenho individualização de conduta,
então não tenho como afirmar quem é o culpado ou não. O que posso te
dizer é que a conduta tomada pela Polícia Militar foi a necessária”,
argumentou.
Segundo a advogada, dos 300 policiais militares
denunciados à época, somente 79 continuam respondendo a processo. A
maioria dos policiais anteriormente denunciados responde por lesão leve,
que já prescreveu. Há alguns policiais também, segundo ela, que foram
impronunciados (ou seja, réus contra os quais foram apresentadas
denúncias ou queixas improcedentes) e outros que respondem por lesão de
natureza grave.
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria
de Administração Penitenciária informou que o exame inicial foi feito
por peritos do Instituto de Criminalística. “Porém, o exame de confronto
balístico não foi feito porque é necessário o agrupamento de centenas
de armas e projéteis”, disse a assessoria da instituição, por e-mail.
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